domingo, 10 de outubro de 2010

"Regional, DIA DA CRIANÇA - Brincadeira com simplicidade"

Espada de Fogo: em noites de lua, pais e filhos acendem uma fogueira no terreiro, na comunidade da Serra do Lajedo, para brincar, construindo a herança lúdica do local.
FOTO: GANDHY PIORSKY

A partir de materiais como a areia, madeira, tecidos, raízes e sabugos, crianças e adolescentes (re)inventam o brincar.

Fortaleza - Na próxima terça-feira, o Brasil inteiro comemora o Dia das Crianças. Muitos pais investiram tempo e dinheiro procurando um presente para o filho. Bonecas vestidas para praia, de noiva ou mesmo caminhões e tratores, além das várias possibilidades que dispõem os jogos eletrônicos. A procura é por aquele brinquedo ideal e para a felicidade da criança. Na comunidade da Serra do Lajedo, em Maranguape, esta preocupação passou por longe, segundo informações do pesquisador e artista plástico Gandhy Piorsky. É que lá, o brincar é vivenciado na natureza e a partir dos elementos provenientes dela, todos os dias da semana.

Em 2006, uma amiga do pesquisador, que conhece a Serra de Maranguape, levou-o até o povoado e a partir daí o vínculo entre eles não se desfez mais. É um campo de pesquisa para o artista plástico. "O nosso próximo passo é arranjar um lugar para o ateliê, que estou chamando de oficina de desmanchar a natureza", contou Gandhy, parafraseando um poema de Manoel de Barros. A ideia é montar um espaço do brincar sem brinquedos prontos. "Durante o projeto, as crianças vão produzir o acervo, mas sem essa dos moldes do brinquedo tradicional. É uma produção deles próprios". A próxima experiência da criançada do Lajedo é fazer uma expedição lúdica pela natureza, potencializando o que já fazem por lá, diariamente: recolher matérias-primas, explorar a floresta e os açudes e, principalmente, brincar. São mais de 100 crianças e adolescentes descobrindo a natureza e os bichos.

Para Gandhy, a experiência do Lajedo representa um dos pontos de resistência do brincar, encontrados por ele, no Ceará. Nesta comunidade tradicional, que vive da plantação de fava, milho e cana, as crianças também são envolvidas nas atividades da agricultura familiar. "Eu desconfio que o brincar é tão vivo por lá, que eu vou pesquisar isto no mestrado. Deve ser por conta do envolvimento da criança na economia familiar, mas não como trabalho infantil, porque elas estudam e brincam. Mas eles auxiliam nessas tarefas da família. E esse núcleo que eles estão é um foco de transmissão de raízes, da infância dos adultos. Por isto há tantos brinquedos e tantos elementos lúdicos dentro desta comunidade", conta o pesquisador cearense.

Ele defende o brincar como um instrumento de aproximação da criança com a natureza, com suas raízes e com a história do seu povo. O que se dá, naturalmente, quando ela está inserida no contexto comunitário. No entanto, ele reconhece que esta vivência é mais fácil acontecer nas comunidades rurais: "nas cidades, onde as crianças estão inseridas na indústria do brincar é mais difícil distanciá-las do consumo. Mas é possível não dar somente esta opção para as crianças", alerta.

"Não sou contra a televisão, os jogos eletrônicos ou os brinquedos de plásticos. O problema está na exposição excessiva da criança a estes conteúdos prontos. Elas não podem é viver em função disto", afirma. Para ele, este contato com conteúdos e produtos estruturados, como livros infantis com muitas imagens, brinquedos em miniatura, por exemplo, diminuem a capacidade criativa da criança e a possibilidade de produzir seu próprio repertório imagético. "Quando a criança vive a natureza imaginária com plenitude, ela acessa campos do conhecimento humano de uma cultura que vem se formando ao longo dos tempos da história dos povos. A imaginação se vincula a esta cultura humana, mais arraigada à vida e às raízes".

Antigamente:
Tempos atrás, o brinquedo era resultado de uma interação entre pais e filhos, que manuseavam madeira, ossos, tecidos, sementes, pedras, palha e argila. Deste processo nasciam bonecas, casas, bichos, meios de transporte e outros. Os restos de materiais e outros encontrados ali mesmo no terreiro de casa, ou na roça, transformavam-se em objetos, como as bonecas de sabugo, a fazendinha de ossos de animais e as unhas de pétalas de flores. Com a industrialização e o fortalecimento da sociedade de consumo, as crianças foram sendo alijadas do convívio familiar, comunitário e urbano (nas grandes cidades). A elas foram destinados pequenos espaços, como as brinquedotecas ou parquinhos. O brincar, a cada dia, é desvalorizado nessa lógica do consumo por ser considerada uma atividade não produtiva. Atualmente, a publicidade e o marketing é que pautam a escolha do brinquedo para as crianças.

Para Gandhy, as duas áreas são as grandes "aliciadoras da infância". Ele defende como importante instrumento regulador deste consumo a estrutura familiar, no sentido de ampliar o acesso de diversas formas de brincar, principalmente, possibilitando a interação com o meio e com outras crianças. "Existem estudos que já mostram que as crianças que se relacionam com materiais naturais, desenvolve a sua formação sensorial, amplia a capacidade de imaginar, aumenta a sensibilidade e a dimensão do universo natural e ambiental, aumenta a capacidade de alteridade, de perceber o outro", mas diz que também é uma proposta difícil de ser implantada nos grandes centros, sendo uma alternativa para os pais o equilíbrio entre os industrializados e os naturais.

"É delicado propor isso para sociedade, não faz sentido porque vivemos numa sociedade de plástico. Elas podem brincar com o plástico, agora os adultos têm que ter o cuidado de não permitir que a criança fique exposta a este aliciamento", diz.

Saiba Mais
Significado

O brincar e as brincadeiras estão para um povo como a necessidade de expressão de sua cultura. É considerado uma forma de comportamento característico da infância e de aprendizagem. O termo brincar não possui similaridade em diversas outras línguas europeias. Os verbos "spilen" (alemão), " to play" (inglês), "jouer" (francês) e "jugar" (espanhol) tanto significam brincar como jogar e, ainda, interpretação teatral ou musical. O brincar, em português, é derivado do latim "vinculum", e tem o sentido de laço e união.

MAIS INFORMAÇÕES:
Gandhy Piorsky
Instituto Cinco Marias
Fortaleza (CE)
(85) 8875.2432

PRÊMIO NACIONAL:
Novas ações do brincar nas escolas

O pesquisador está ampliando sua atuação na área do brincar com elementos da natureza também nas escolas.

O pesquisador Gandhy Piorsky dedica seus estudos e suas andanças para descobrir o universo do brincar em todo o Estado do Ceará, desde muito cedo. Para ampliar esta atuação, ele criou o Instituto Cinco Marias, com sede em Fortaleza. A partir do Instituto, ele está realizando ações nas comunidades, como em Lajedo, no Município de Maranguape, e também prestando assessoria ao Instituto Unilever, para o Programa pelo Direito de Ser Criança.

O programa vai reconhecer e premiar instituições de ensino que valorizam a importância do brincar e do aprender pela experiência em suas práticas escolares. "Eles estão promovendo uma cultura da infância nas escolas e investigando o que realmente as escolas oferecem de brincar nos seus espaços, dentro do ambiente pedagógico", afirma. Serão premiados os profissionais de educação das escolas públicas e particulares de todo o Brasil, que realizem ações e experiências promotoras do "brincar da natureza".

"Ou a gente pensa em promover um brincar que não tenha um pacto com o consumo e com a industrialização da infância, ou então a gente pensa se vamos comprar e organizar espaços e brinquedos prontos. Temos que pensar em brinquedos culturais, em pequenos nichos de artesãos, de mães que produzem bonecos", disse Gandhy sobre a importância de garantir ações nesta área.

Emanuelle Lobo
Repórter DN.

Um comentário:

  1. Gostaria de saber desse escritor sobre o aborto,se ele é contra OU A FAVOR.

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