terça-feira, 16 de novembro de 2010

"SEM TETOS - Ex-interna sai da prisão e não tem uma moradia"

Claudia teve o privilégio de morar em uma casa alugada, contando com a ajuda financeira da família
FOTO: WALESKA SANTIAGO

Falta de abrigo causa aflição para estrangeiros que são postos em liberdade e ficam no aguardo da expulsão

Foram dois longos meses de espera pela expulsão, após amargar quase três anos de prisão. A colombiana Claudia Maria Castañeda, 40 anos, passou por esse calvário, contando dias e noites, e se pegando na fé de que um dia daria a volta por cima. Na verdade, foi forte suficiente para vencer o desespero.

Atualmente, Claudia vive em sua cidade natal, Manizaleza, localizada a 320 quilômetros de Bogotá, na região andina do País. No entanto, antes da sua partida vivia numa pequena casa, em Messejana. Foi lá que aguardou pacientemente todo o processo de expulsão, que é assinado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Em termos de moradia, a colombiana foi uma privilegiada, porque com a ajuda da filha, conseguiu pagar o aluguel da casa onde ficou até deixar Fortaleza. Outros casos de mulheres muito pobres, a saída tem sido procurar abrigos em instituições religiosas, vinculadas especialmente à Pastoral Católica, mantida pela Arquidiocese.

Apoio

Além da Igreja, a ajuda também vem de Evangélicos, que prestam apoio espiritual aos detentos, como afirma Fatumata Binta, de 26 anos, presa em 23 de agosto do ano passado, por tráfico de drogas.

Proveniente da Guiné-Bissau está sonhando em sair da cadeia, mas afirma ficar apreensiva sobre onde deverá residir. Ela diz que os evangélicos têm sido efetivos na ajuda material.

Claudia diz que foi vítima de uma armação do ex-companheiro. Aqui em Fortaleza, ela se preparava para viajar para Cabo Verde, enquanto que a droga, na verdade, se encontrava com o então marido.

Ocorreu, no entanto, como lembra a colombiana, que na busca de um culpado fácil, diante de um flagrante que envolvia duas pessoas, o ex-companheiro acabou denunciando a mulher, o que fez com fosse presa pela Polícia Federal.

"Foram momentos horríveis de horror e solidão, além de uma raiva que me consumia por conta da injustiça", diz. Com isso, ela se apegou à leitura, aprendeu Português e procurou organizar um rede de relações sociais, que tanto foi positiva para ela, quando saiu da prisão, quanto para outras presas que também ganharam a liberdade.

Na Colômbia, Claudia trabalhava como servidora pública. Levava uma vida pacata e nunca teve nenhuma relação com as drogas, embora o País seja grande produtor de cocaína.

Ela lembra que o sofrimento passado na prisão, longe da família, principalmente da filha, que atualmente mora na Espanha, prosseguiu quando estava livre, dependendo de ligações telefônicas internacionais com os familiares.

Claudia lamenta que boa parte das jovens presas, pouco aprendem na cadeia. "Muitas saem da prisão, ainda com a mentalidade de curtir a vida. Isso torna o futuro mais difícil", afirma a mulher, que hoje busca fazer uma faculdade na Colômbia e ainda está se organizando para viajar a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, como continuidade de suas pesquisas sobre a América do Sul.

No submundo do tráfico, nem todas as prisões de mula acontecem por necessidades financeiras ou pela manipulação de maridos e companheiros. A ambição por um dinheiro aparentemente fácil, envolvendo aventuras, viagens para outros países, também incita que mais jovens se envolvam com os grandes traficantes.

Esse é o caso da holandesa V.C., de 21 anos. Ela foi presa no Aeroporto Internacional Pinto Martins, após fazer a rota que teve início em Georgetown, na Guiana, passou por Lethem, e atravessou a fronteira. Em seguida, chegou a Bonfim, Boa Vista, Manaus e a Capital cearense.

Foi em Fortaleza, exatamente quando se preparava para viajar para a Espanha, que foi detida pela Polícia Federal. Na sua opinião, os policiais, muito provavelmente, já sabiam que portava a droga, e não tiveram dificuldade em localizar dois quilos de cocaína em sua mala, embora bem escondidos.

V.C. afirma que se envolveu por gostar da aventura e de viajar. Não tão pobre quanto a maioria das estrangeiras presas em igual condição, estima que não ganharia mais do que R$ 20 mil, descontadas as despesas com transporte e hospedagem pelos lugares onde ficou.

Em liberdade, só não teve dificuldade com moradia porque foi beneficiada pelo bom ciclo de amizades de Claudia. Enquanto aguarda sua expulsão do País, mora na casa de uma amiga, onde também residem duas ex-presidiárias

MULHERES CRIMINOSAS
Interior não possui cela para detentas

É bem verdade que o número de presos do sexo masculino é disparadamente maior do que o feminino, daí se explicar que se tenha construído mais unidades prisionais para os homens, em detrimento das mulheres, que conta com apenas o Auri Moura.

Mesmo essa unidade prisional é única para atender os diferentes regimes prisionais, quando o mais adequado, segundo os próprios diretores do sistema seria haver unidades diferenciadas em unidades distintas.

No entanto, o que não se previa é o aumento no número das praticantes dos crimes, em que se observa um grande despreparo do aparelho policial tanto na Capital quanto no Interior.

A titular da Delegacia das Mulheres de Sobral, Penélope Malveira, diz que a falta de celas para as mulheres acontece em quase todos os municípios cearenses. Um caso recente, como lembra, aconteceu com uma presa, na serra da Meruoca.

Como não havia um recinto apropriado, a mulher teve que ser recolhida ao almoxarifado. A delegada diz que essa realidade é gritante, em vista de que o público feminino, mais associado como vítimas da violência, também tem se destacado no envolvimento crescente com a criminalidade.

"Estamos vivendo um grande impasse, porque não se tem dimensionado a inclusão feminina no universo da população carcerária do Estado", observa.

A maior incidência ocorre, de acordo com Penélope Malveira, com ligações com tóxicos. Ela também reconhece que o crime tem forte influência dos companheiros, quer para guardar drogas, transportar ou até mesmo vender, numa demanda que não tem parado de crescer no interior do Estado, conforma as estatísticas policiais. Nesse caso, o envolvimento de estrangeiras não é relevante.

"O que existe é uma ligação afetiva muito forte das companheiras, que acabam sendo atingidas pelo braço da lei, quando o delito envolve o tráfico de drogas, mesmo no âmbito interno", destaca a delegada.

LSD, SKANK E ÊXTASE
Drogas sintéticas em alta

Suprir necessidades urgentes, manipulação de companheiros e gostos pela aventura. Além de todas essas motivações, há também aquelas que admitem a ambição para ganhar milhares de reais como das razões mais fortes pelo envolvimento com o narcotráfico.

A história da estudante de jornalismo T.F.B, 23 anos, exemplifica bem situação. Ela foi presa em Belo Horizonte, quando retornava da Bélgica, com LSD, êxtase e skank.

A prisão aconteceu em julho do ano passado. Uma semana antes, ela esteve em Ibiza, na Espanha, e antes de retornar ao Brasil, ainda passou pela Holanda. Depois, desceu do paraíso para o inferno.

Jovem, sem dificuldades financeiras mais fortes e poliglota viu seu mundo se resumir ao comprimento de disciplina, onde os deslocamentos pelos pátios e áreas administrativa obrigam as presas a portarem braços e mãos para trás. E mais uma ânsia enorme de liberdade, que demorou quase dois anos de espera e paciência nos trâmites burocráticos.

A mercadoria foi apreendida pela Polícia Federal, sendo calculada em torno de R$ 120 mil. Apenas para transportar as drogas da Europa para o Brasil, onde seriam distribuídas pelas capitais, principalmente em festa rave e no consumo entre viciados de médio e alto poder aquisitivo, ela receberia em torno de R$ 30 mil.

"Foi pura ambição. Foi o dinheiro que me saiu mais caro. Minha mãe já gastou muito mais com advogados e com passagens aéreas para Minas Gerais", lembra. Na capital mineira, ficou interna numa prisão federal.

Com a ajuda de pessoas importantes da política cearense, conseguiu o traslado para Fortaleza, sendo destinada ao Auri Moura. Hoje, se encontra em regime semiaberto e trabalhando.

MARCUS PEIXOTO
REPÓRTER DN.

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