domingo, 14 de novembro de 2010

"´A MORADA DA POESIA´ - Academia dos Cordelistas resgata tradição"

Na Academia dos Cordelistas do Crato, a chapa para impressão do cordel é feita à mão, letra por letra
FOTOS: ANTÔNIO VICELMO DN.

O poeta João Nicodemos define a feira como palco da cultura popular nordestina

Poetas do Município do Crato tentam manter viva a arte de criar cordéis e repassá-la para geração jovem

Crato. "A morada da poesia". Com este sugestivo título, um grupo de poetas das mais diferentes categorias sociais mantém viva, "ao lado da morte", a Academia dos Cordelistas do Crato, que funciona ao lado do cemitério. A entidade foi fundada em 1991 por um grupo de cordelistas, que teve na pessoa do saudoso Elói Teles de Morais o seu grande idealizador, com mais de 600 de folhetos, levando o Nordeste para o mundo, a mensagem poética dos caririenses. "São temas os mais variados e que estão servindo para pesquisa e para leitura nas escolas", diz o cordelista Chico Nascimento, integrante da Academia.

Localizada na Avenida Maildes Siqueira, ao lado do Cemitério, a Academia reúne 20 poetas que, segundo o estatuto, cada um deve publicar dois cordéis por ano. "Geralmente, são publicados mais", afirma o presidente da Academia, Eugênio Medeiros Dantas, acrescentando que, ultimamente, tem sido grande a procura por cordéis que hoje são encontrados em praças e mercados de grandes cidades nordestinas, bancas de jornal, livrarias, aeroportos, praças de artesanatos, pela internet.

Tais folhetos eram produzidos, muitas vezes, em gráficas antigas, sem grandes tecnologias, de forma quase manual. A Academia dos Cordelistas do Crato faz questão de manter esta tradição. A chapa para impressão do cordel é feita à mão, letra por letra, um trabalho artesanal que dura cerca de 1 hora para confecção de uma página. Em seguida, a chapa é levada para a impressora, também manual, para imprimir. "A manutenção desse sistema antigo de impressão faz parte da filosofia do trabalho", justifica o presidente da Academia. Este trabalho é feito pelo tipógrafo Vicente Nascimento, remanescente das antigas tipografias do Cariri.

A outra etapa é a confecção da xilogravura para a capa do cordel. As xilogravuras são ilustrações populares obtidas por gravuras talhadas em madeira. Anteriormente, a xilogravura tinha uso considerado "menos nobre", como a confecção de rótulos de garrafas de cachaça e outros produtos. Sua grande popularidade veio com o cordel. As matrizes para a impressão das ilustrações são talhadas em madeira mole (o cajá, por exemplo), geralmente pelos próprios autores das histórias de cordel que utilizam apenas um canivete ou faca doméstica, bem amolados. No Cariri, o trabalho é feito em umburana. A gráfica é administrada pelo poeta Luciano Carneiro de Lima que, segundo o poeta Cacá Araujo, é uma espécie de mago do verso popular. Luciano, que é "Mestre da Cultura", constrói seus versos falando sobre religião, problemas sociais, tradições populares. Romanceia e faz humor. Agricultor, carroceiro e vigilante, Luciano é uma das mais respeitadas e reconhecidas expressões do verso popular caririense. Pobre de bens e rico de sabedoria popular, ele é considerado um cordelista completo.

Revelação:
Além de manter viva esta tradição, a Academia tem revelado grandes poetas e poetisas. Recentemente a cordelista cratense Josenir Lacerda, autora de cerca de 50 cordéis, entre os quais "Linguajar Cearense" e "De volta ao Passado", foi convidada para a Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Vai ocupar a Cadeira 37 do poeta José Francisco Soares, conhecido como o poeta-repórter por retratar em versos os acontecimentos do dia a dia.

Josenir mantém uma loja na Rua José Carvalho, no Centro do Crato, onde são vendidos, além de cordéis, diversos produtos típicos do Nordeste: bonecas de pano, cabaças, xilogravuras, figuras esculpidas em madeira, bordados, cadeira de couro do Bodocó, ancoretas e tantos outros badulaques. A lojinha é uma verdadeira bodega cultural, fartamente incrementada com os conhecimentos preciosos da proprietária sobre tudo quanto é cultura popular.

No Brasil, a literatura de cordel chegou com colonizadores lusos, em "folhas soltas" ou mesmo em manuscritos. Só mais tarde, com o aparecimento das pequenas tipografias - fins do século passado -, a literatura de cordel surgiu e se fixou no Nordeste como uma das peculiaridades da cultura regional.

Noutro contexto, inúmeros poetas levantaram suas vozes na busca de soluções para os problemas regionais, denunciaram as atrocidades que se têm praticado a esta gente. Patativa do Assaré, por exemplo, mostrou o estado de penúria em que vive o nordestino, enfocando as arbitrariedades exercidas pelo latifúndio, clamando por reforma agrária para aqueles que não possuem, sequer, um palmo de terra para ser enterrado.

A esse fato se refere a música "Cabra da Peste": "Eu sou de uma terra que o povo padece/Mas não esmorece e procura vencer /Da terra querida/que a linda cabocla/De riso na boca zomba no sofrê/Não nego meu sangue, não nego meu nome/Olho para a fome...". (A.V)

PROJETO:
Talento de poetas é divulgado em feiras livres

Crato. Segundo pesquisa feita pelo violeiro Flávio Sombra, o cordel teve origem na Europa, na Idade Média, num tempo em que não existia televisão, cinema e teatro para divertir o povo. A imprensa ainda não tinha sido inventada e pouquíssima gente sabia ler e escrever. Os livros eram raríssimos e caros, pois tinham de ser copiados a mão, um a um. O violeiro conta que nos pequenos vilarejos existia um dia da semana que era especial: o dia da feira. Nessas ocasiões, um grande número de pessoas se dirigia à cidade, e ali os camponeses vendiam seus produtos, os comerciantes ofereciam suas mercadorias e artistas se apresentavam.

O Sesc do Crato está desenvolvendo o Projeto Cordel na Feira. O objetivo é resgatar uma antiga tradição: a presença dos cordelistas nas feiras semanais das cidades do interior, quando o cordel era o principal meio de comunicação entre os moradores da zona rural que fazem da feira o ponto de encontro para compra de mercadorias, troca de ideias e, principalmente, balcão de informações dos assuntos da semana.

A iniciativa lembra que, em um passado não muito distante, as feiras do Nordeste tinham um papel importante na vida sociocultural e econômica das vilas e municípios. "Era ali, no meio de ´souvenirs´, ferramentas, cereais, farinhas e bugigangas de toda a espécie que poetas e cantadores pelejavam entre si e os livretos no cordel davam a última notícia que percorria o sertão", lembra a cordelista Josenir Lacerda.

O evento foi animado por uma rabeca, instrumento típico das feiras nordestinas, tocada por João Nicodemos, um dos autores do cordel que define a feira como o palco da cultura popular nordestina. A feira, segundo Nicodemos, é uma espécie de shopping center popular, que funciona como vitrine da criatividade do homem do campo com o seu rico artesanato. Ali, funciona também a "praça de alimentação" com comidas típicas: buchada, panelada, baião-de-dois, caldo de mocotó, galinha caipira, pão de milho. O humor ficou a cargo de "Tranquilino Repuxado". (A.V)

Fique por Dentro:
Folhetos

Segundo Luís da Câmara Cascudo, no livro "Vaqueiros e Cantadores", os folhetos foram introduzidos no Brasil pelo cantador Silvino Pirauá de Lima e depois pela dupla Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista. No início da publicação da literatura de cordel no País, muitos autores de folhetos eram também cantadores que improvisavam versos, viajando pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. Os cordelistas foram os precursores do rádio e do jornal. Com a criação de imprensas particulares em casas e barracas de poetas, mudou o sistema de divulgação do material popular. O autor do folheto podia ficar num mesmo lugar a maior parte do tempo, pois suas obras eram vendidas por folheteiros ou revendedores.

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